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Eu (pela primeira vez) sinto amor pelo meu PAI

  • Foto do escritor: Lulie Rosa
    Lulie Rosa
  • 11 de ago. de 2015
  • 6 min de leitura

O último domingo, 09 de agosto, dia dos pais, para mim foi diferente de todos os outros. E creio que diferente de uma forma muito positiva, mais leve. Ontem, pela primeira vez eu falei com o meu pai no dia dos pais, e ainda com amor. Em 28 anos, que eu me lembre foi a primeira vez que verdadeiramente senti amor (ou algum sentimento próximo desse) pelo meu pai.

Você pode estar se perguntando “por que (só) agora?” ou “no que ele mudou?” mas talvez a melhor pergunta seria: “o que em você (em mim no caso) mudou?”.

Ele pode até ter mudado, afinal de contas até onde eu sei depois de pelo menos vinte anos esse foi o primeiro dia dos pais que ele passou cercado pela maioria dos filhos e netos, que não são poucos. E sim, ele estava vibrante por isso. Eu não estava lá. Sou a única que mora a quase 1500km de distância de toda a família. Creio que todos nós mudamos nos últimos anos. Mas, no telefone, a fala dele continuava a mesma de sempre, falando de como ele gosta de dançar, das “namoradas”, da vida. Dessa vez ele também falou um pouco sobre gostar de ter todos por perto, isso foi um pouco diferente. Mas a impressão que tenho é que de todos nós, ele foi o que menos mudou suas atitudes, gostos ou desejos.

Comecei um movimento de mudança de sentimentos em relação ao meu pai há pouco mais de dois anos, buscando me aprofundar em mim. Quando em terapia me questionavam constantemente sobre minha relação com meu pai, eu respondia que até então era praticamente nula. O lugar de pai em minha vida sempre foi um vácuo, tudo o que eu tinha dele era mágoa, decepção, ausência. E eu, como todo mundo, culpava a ele por isso. Foi difícil tocar nesse assunto, foi difícil mexer numa ferida que não era exposta, afinal de contas minha mãe sempre foi tão presente, meus outros familiares supriram praticamente toda a falta que ele poderia ter feito em minha vida.

Meus pais se separaram quando eu tinha mais ou menos oito anos, e as lembranças que eu guardava do casamento deles eram as piores possíveis, minha mãe sempre chorando, ele sempre saindo sozinho, tendo várias amantes, as pessoas cobrando da minha mãe a separação, eles se separando. Minha mãe se doando completamente para a família, afinal, eles tiveram sete filhos, batalhando para conseguir “terminar de criar” principalmente eu e meu irmão mais novo, pois os outros já estavam mais crescidos.

Depois que ele foi embora, tudo ficou mais tranquilo, minha mãe viu que viveria bem sem ele, aprendeu a tomar as próprias decisões, acreditou muito mais em si mesma e sempre cumpriu o papel que escolheu (de mãe) com maestria e dedicação.

Aos olhos de todos ela sempre foi uma vencedora, com todo o merecimento. Ela é realmente incrível. Mas os mesmos olhos que a julgaram sempre uma mulher incrível também julgaram ele como um canalha, egoísta e sacana que deixou todo mundo na mão pra viver aventuras como se tivesse 16 anos. Todos sempre falaram de como ele era sem noção e ridículo, e de como ele ainda se arrependeria por ter largado todo mundo pra dançar e ficar com quem ele bem entendesse, depois de trinta anos de casamento.

Minhas irmãs também lembravam e me contavam episódios de opressão, abuso de autoridade e até agressão vindas dele. E eu sempre pensei: “ainda bem que me livrei disso”. Nunca fiz questão de ter proximidade com ele, ou sequer qualquer interesse em saber como era pra ele tudo isso. Sempre ouvi as histórias, as críticas e julgamentos a seu respeito e pronto. Até que fui realmente questionada sobre.

Lembro de uma vez que fui indicada pela minha terapeuta à escrever uma carta à ele, eu tremia. Escrevi umas dez páginas de acusações e justificativas, justifiquei cada “erro” dele, já que era pra perdoá-lo né?

Por um lado foi bom, pois pela primeira vez, me vi muito mais próxima dele em minhas próprias escolhas do que eu poderia imaginar até então. E foi nesse momento que me dei conta de como era importante rever meus conceitos sobre ele, pois se tratava também dos meus conceitos sobre mim.

E ali, em meio às lágrimas eu me dei conta, de que o melhor à fazer não era culpá-lo ou perdoá-lo justificando suas atitudes, o melhor seria dar à ele a oportunidade de ser ouvido, percebido, reconhecido como ele é, ou está, por ele mesmo.

Percebi que eu nunca conheci meu pai, até aquele dia eu nunca tinha parado para realmente ouvir o que ele dizia, pois tudo que ele falava já entrava em meus ouvidos por muitos filtros de julgamentos que nem eram meus de verdade. Ele definitivamente não tem nada a ver com os pais das famílias felizes dos comerciais de margarina. Isso é fato. Mas quem é ele? O que ele pensa sobre a vida? Sobre as escolhas que fez e faz? Eu simplesmente não fazia ideia. E foi essa a ficha que caiu naquele dia. Então eu escrevi a carta, e enviei, e na carta dizia apenas o seguinte:

“Eu não lhe conheço por você mesmo. Mas estou aberta para conhecê-lo e quem sabe sermos amigos!”

E ao escrever isso Eu mudei, e mudei muito.

Ele nunca me respondeu a carta, nem nunca tocou no assunto, eu também não esperei uma resposta.

Mas na próxima vez que o vi, no início desse ano, foi diferente, na verdade ele falou exatamente tudo o que vinha falando a vida toda:

Sobre o que gosta, sobre o que o motiva viver, e eu não sei se ele disse com todas as palavras, mas o que eu ouvi foi que na verdade ele nunca negou ninguém, ele nunca pensou em nos magoar, ele apenas escolheu por ele mesmo, e assumiu, com todos os prejuízos, o que o faz vibrar.

Ele me disse que precisa de movimento, e que dançar é o que deixa ele vivo e feliz, ele me falou sobre conhecer seu próprio corpo, sobre amores livres, sobre corpo vibrante.

E eu apenas ouvi, como nunca antes.

E isso foi na casa da minha mãe, muitos ouviram a conversa, inclusive ela. Não sei quanto essa conversa influênciou na vida das outras pesoas, mas nesse dia dos pais, meses depois, permitiram-se todos, juntos, comemorar essa data com amor. E eu daqui também comemorei, na certeza de que ele tá longe de ser o modelo de pai instituído culturalmente, mas é pai, da melhor maneira que pode ser, e antes de ser pai é um ser humano com desejos e motivações próprias. Que também anseia por afeto, e deseja sim estar com a família, mas que valoriza acima de tudo assumir-se e ser aceito exatamente como é ou está.

E por que não?

Enquanto eu ficava presa à expectativa que tinha do que seria ter um bom pai, apenas me mantive distante e alheia desse ser que também me deu vida. E é bom admitir que não é por falta de amor ou estima de nenhuma das partes. Apenas não somos seres convencionais, ele não é e eu tampouco. Por que não viver apenas o que melhor podemos oferecer um ao outro?

Me sinto grata hoje, por pela primeira vez ter realmente sentido amor dentro de mim direcionado ao homem ou a imagem desse homem que é o meu pai. E a mudança não veio dele, ela aconteceu primeiramente aqui dentro. Aceitá-lo e amá-lo é de certa forma aceitar e amar também à mim.


A imagem peguei no google e é meramente ilustrativa, o blog gosta, pra ficar mais chamativo o post, óbvio, pois depois do que contei da pra supor que não tenho nenhuma foto ou imagem com meu pai, quem sabe numa próxima oportunidade...

Texto de Lulie Rosa:

Artista/Visagista/Facilitadora e Terapeuta Reikiana - com iniciação pelo método Usui.

Cursa Artes Visuais na Universidade Estadual de Santa Catarina, mas seu maior aprendizado vem da experiência, dos grupos que coordena e integra, da vida que tenta encarar de frente. Por conta própria pesquisa diversas áreas do conhecimento humano, principalmente envolvendo história, psicologia, mitologia, conhecimento ancestral, bioenergética e cultura visual e é assim que tem percebido que livros são apenas pontos de vista, relatos da vivência e da observação de alguém.

Ama fotografar essências e se nutre do empoderamento que vê nascendo e se fortalecendo em cada mulher que se permite olhar seu corpo e sua alma por novas perspectivas.

É geradora do Mulher em Si - o que não sabe definir muito bem, pois tem vida própria e se move, flui e transforma como sua própria vida; mas pelo qual atua com atendimentos particulares e como facilitadora de grupos sequências e livres, com propostas intensas e leves, diversas, mas todas sem dúvidas empoderadoras. Conheça mais sobre Lulie e o Mulher em Si visitando nosso site.

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