Ir além - O próximo passo.
- Lulie Rosa
- 29 de fev. de 2016
- 7 min de leitura
Há alguns anos, quando iniciei meu processo de transmutação e de auto encontro, no qual ainda permaneço e que suspeito ser infindável, vieram muitos questionamentos.
Meu primeiro passo dentro deste despertar de consciência foi a indignação a respeito de situações tão corriqueiras em minha vida, que de tão comuns pareciam “normais”.
A própria normalidade foi um desses questionamentos. Como eu podia achar normal certas atitudes, falas, comportamentos? Sim, minhas primeiras reações foram a vergonha e a culpa, nada de muito novo, já que estes eram sentimentos muito recorrentes, velhos conhecidos. Logo em seguida foi a negação.
Negar tudo o que eu vinha alimentando durante muito tempo da minha vida foi minha primeira atitude firme, foi meu modo de reaver, de tentar compensar atitudes das quais eu não me orgulhava. Neguei, senti raiva, a indignação aumentava ainda mais, e quanto mais eu questionava a cultura, a sociedade, a religiosidade, os padrões impostos,mais me dava conta do quanto refém fui durante tanto tempo.
Quanto mais me questionava, mais a curiosidade me invadia, me inundava, queria compreender de onde vieram os rótulos, as crenças, as limitações. Foi ai que me deparei com o conceito de arquétipos, encontrei a mitologia, e por ela me vieram alguns esclarecimentos, fui aos poucos compreendendo como chegamos ao ponto em que estamos cultural e socialmente, fui percebendo as influências descaradas ao meu próprio modo de pensar, agir, me comportar. A princípio me senti vítima, a indignação aumentava, mas nesse ponto eu já tinha a quem culpar. Como poderia pensar diferente se tudo o que eu consumira por muito tempo apenas repetia o mesmo ponto de vista?
De certa forma foi um alívio perceber que eu era apenas mais uma pessoa alienada, que estava sendo influenciada por algo externo a mim. Essa descoberta aliviou minha culpa, e mais do que isso, me deu forças inclusive para compartilhar meus questionamentos com outras mulheres, hoje olhando, acho que meu primeiro desejo foi o de lhes incentivar a livrar-se também da culpa, pois o sentimento de certa forma era libertador.
E assim fiz, pesquisei, busquei na mitologia pontos onde foram alimentadas nossas crenças limitantes, apontei nos mitos suas construções machistas, preconceituosas, desempoderadoras.
Apontei a alienação, encorajei com minha negação muitas mulheres a se questionarem e buscarem para si novas possibilidades.
Por algum tempo me mantive nesse lugar de questionamento, de negação, de transferência de culpa, de libertação pela projeção da raiva, vi que esse modo de ver e viver de certa forma me tirou de um lugar desconfortável, vi que o mesmo acontecia com outras pessoas, mas de alguma forma sempre senti que era apenas um lugar de passagem, um dia voltei-me para mim e então passei a perceber que permanecer ali não me era suficiente, percebi que algo faltava, que a indignação havia sido necessária pra me tirar daquela zona de conforto, mas que permanecer nela era criar outro espaço confortável. Seria muito simples permanecer culpando a cultura, a sociedade, a mitologia, a televisão, a Barbie, a Disney, ou seja lá quem fosse por toda a minha frustração enquanto mulher, por todo o meu desamor pelo meu corpo, por toda a falta de prazer e a dificuldade de lidar com a vida.
Estava Eu, mais uma vez, à beira de um retorno aquele lugar conhecido, a zona de culpa, quando então percebi que o importante era ir adiante, pois a consciência por si só não me levava a lugar algum a não ser que eu fizesse o movimento de continuar, precisava encontrar um novo modo de lidar com minhas descobertas, culpar o sistema, ou seja lá quem fosse por trás dele não me libertava do peso que ainda sentia por ser mulher. A ideia de seguir parece fácil, é inclusive a mais óbvia, mas na prática levei um tempo para perceber o que me levaria para um novo estágio onde a culpa finalmente deixaria de existir, onde eu vítima abandonaria o vitimismo para me tornar responsável, e esse lugar chamei de empoderamento. Me empoderei de minha existência quando assumi que se fui manipulada por um sistema foi por minha responsabilidade, pois foi minha a abertura. Seja por comodidade, por necessidade de aprovação, por carência ou mesmo por ignorância, não importa, fui eu quem nutri por muito tempo meu estado de cegueira e inconsciência.
Fui eu mesma quem por muito tempo anestesiei e intoxiquei meu corpo com alimentos e remédios, abri mão de meus talentos e desejos, trilhei caminhos convencionais de realização e sucesso e me frustrei por não alcançá-los, vesti as roupas da moda, me preocupei com minha aparência mais do que com meu bem estar, me relacionei com competitividade com homens e também com outras mulheres, entre outras atitudes que hoje percebo como limitações à potencialidade do meu ser.
E por mais tênue que seja a linha que separa responsabilidade e culpa, percebo essas duas forças tão diferentes que chegam a parecer completamente opostas. Ao me responsabilizar assumo que fiz, reconheço o lugar onde estive, olho para ele com a certeza de que com as condições que tinha naquele momento escolhi e me posicionei da única maneira possível para mim.
Assim, percebo que meu modo de ver não é externo à mim, por mais que seja influenciável é de dentro que vem o entendimento, é de dentro que surge pensamentos, atitudes e comportamentos que nutrem um estado, seja ele qual for.
E se é de dentro que nasce meu modo de absorver e retornar ao mundo, cabe somente à mim ser a mudança que desejo. Hoje não me culpo mais por nenhum sentimento, por nenhuma atitude, na verdade me sinto grata toda vez que me percebo repetindo padrões limitantes, reproduzindo comportamentos dos quais não me orgulho. Sinto que perceber esses estados é o primeiro passo para conseguir fazer diferente. Me sinto grata toda vez que uma nova ficha cai, toda vez que me percebo agindo de uma forma que não me serve mais, se percebo creio que esteja mais próxima da transmutação.
E se tem uma coisa com a qual nunca me comprometi foi com a perfeição.
Me vejo em obras, em trânsito, avançando, retomando, muitas vezes voltando para novamente conseguir avançar. E tudo bem. No meu tempo, sem amarras, meu compromisso é apenas o de respeitar-me mais e mais a cada dia.
Bom, quando comecei a escrever tinha o simples intuíto de introduzir um “novo” texto, que na verdade nem é tão novo assim, foi escrito ainda no primeiro semestre de 2015, quando consegui iniciar o próximo passo em meu próprio processo, quando a consciência deixou de ser foco para se tornar apenas parte, quando consegui me ver finalmente como uma mulher inteira cheia de faces, de fazes e a indignação deu lugar a criatividade, a raiva abriu espaço para o prazer.
Percebo que consegui ir além quando me abri e reconheci o prazer, o que parece a coisa mais simples do mundo, afinal, quem não gosta de sentir prazer? Pois é, mas na prática percebo que não é bem assim.
está intimamente ligado com intuição e instinto, potências incríveis e inatas, mas frequentemente minimizadas e até mesmo ridicularizadas numa sociedade que valoriza em essesso as racionalidades, num mundo onde se tem receita pra tudo perceber-se e entregar-se a verdade interior, ao prazer, acaba sendo conflituoso.
Por isso, creio que a negação foi um passo indipensável em meu processo, mas tem sido o prazer o fio condutor de uma grande transição, foi no encontro com meus pequenos p
razeres que me percebi avançando, foi alimentando-os que consegui vencer a culpa, a vergonha, os padrões, e até mesmo o próprio medo.
Descobri o prazer na presença, na capacidade de habitar meu próprio corpo, nas descobertas sutis do estado de solitude, deixei de me sentir sozinha quando experienciei estar em minha própria companhia.
O prazer passou a ser meu guia, que me indica por onde ir, até quando ficar, por quanto tempo permanecer e alimentar uma situação, uma relação, um estado.
O prazer me indicou o caminho do meu compartilhamento e a falta dele também me fez mover e transformar meu mundo de possibilidades.
Se é o prazer que me move já é tempo de reencontrá-lo, hoje marco meu reencontro com o prazer, e ele se apresenta a mim justamente por essa escrita, inspirada por um reencontro com esse texto que permaneceu guardadinho por um bom tempo, inclusive cheguei a pensar que o tivesse perdido, mas talvez estivesse só aguardando o assentamento das ideias, dos trânsitos, para que pudesse nesse momento perfeito emergir e ser com lucidez compartilhado. Em 2014 foi escrita a primeira versão desse texto, onde fica evidente o processo pelo qual precisei passar para dar o passo adiante. Naquele momento era apenas um questionamento, carregado de indignação, um desejo por algo novo. Hoje compartilho o que considero ser o próximo passo, uma nova versão da condição de ser mulher, uma nova possibilidade para o modo de existir e lidar com as sombras, com as limitações, com as castrações, com as opressões, invasões e vulnerabilidades. Sempre gostei da ideia de ressignificar o que já não me serve mais, então mais uma vez tomo a liberdade de interferir e reescrever um mito muito conhecido, muito reproduzido, mesmo ou principalmente por quem pouco conhece ou mesmo nunca ouviu falar dessa personagem. Ele veio como uma possibilidade de resposta a uma questão que emergiu em um grupo, quando discutíamos opções para que nossa Atena interior não continuasse a castigar sua parte Medusa por ser bela, atraente e sensual. A pergunta era: "O que fazer para que a beleza e a sensualidade não precisem ser minimizadas e reprimidas em nós, para que deixem de ser vistas como vulnerabilidades e se tornem apenas caracteríscas, compatíveis com nossa racionalidade, respeitada por todos, independente do meio que optemos por habitar? Compartilho um novo olhar para Medusa, aquela que um dia foi um monstro recebe nessa nova versão "O poder da escolha". Texto 1 - Seria Medusa um monstro?
Texto 2 - Um novo olhar para Medusa, uma mulher inteira. Me sinto grata por hoje possibilitar a minha própria Medusa um novo olhar, desejo verdadeiramente continuar avançando, ressignificando meu modo de pensar e reescrevendo meus textos constantemente.
Lulie Rosa, Belo Horizonte, 28 de fevereiro de 2016.

Mulher, Artista/Visagista/Facilitadora e Terapeuta Reikiana - com iniciação pelo método Usui. Iniciada na Natural Medicina Alma da Terra – Constelações Familiares e Renascimento.
Cursa Artes Visuais na Universidade Estadual de Santa Catarina, mas seu maior aprendizado vem da experiência, dos grupos que coordena e integra, da vida que tenta encarar de frente.
Por conta própria pesquisa diversas áreas do conhecimento humano, principalmente envolvendo história, psicologia, mitologia, conhecimento ancestral, bioenergética, sexualidade e cultura visual e é assim que tem percebido que livros são apenas pontos de vista, relatos da vivência e da observação de alguém.
Ama fotografar essências e se nutre do empoderamento que vê nascendo e se fortalecendo em cada mulher que se permite olhar seu corpo e sua alma por novas perspectivas.
É geradora do Mulher em Si - o que não sabe definir muito bem, pois tem vida própria e se move, flui e transforma como sua própria vida; mas pelo qual atua com atendimentos particulares e como facilitadora de grupos sequênciais e livres, com propostas intensas, mas leves, diversas, mas todas sem dúvidas transmutadoras.
Conheça mais sobre Lulie e o Mulher em Si visitando nosso portfólio online.
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