Da entrega à gratidão
- Lulie Rosa
- 28 de set. de 2016
- 3 min de leitura
Muito se fala sobre entrega, confiança, aceitação, acolhimento e gratidão. Eu mesma sempre falo sobre essas cinco palavras, estes cinco conceitos. Mas, hoje me pergunto: “quanto eu mesma os compreendo?” “quanto eu tenho experienciado-os em minha vida?” “quando consigo realmente entregar?” seria a entrega é o início de tudo? Sem entrega não existe confiança genuína, “e eu consigo realmente confiar?” Confiança é algo que venho há anos procurando desenvolver, mas “será que é este mesmo o caminho?” Algo em mim diz que não; confiança não se adquire, não se desenvolve, não se aprende a ter. Confiança se resgata, se relembra, ou se acessa, pois é algo natural e inerente ao ser, eu sou minha própria confiança. Confiar no próprio sentir, confiar na própria experiência, confiar no que sinto e vivencio a cada momento, isso me traz paz. E então me pergunto: “Se conheço este estado, por que não consigo mantê-lo em minha vida constantemente?” Minha voz interior responde que eu não deveria me cobrar tanto. A autocobrança me impede confiar. Toda vez que me cobro acesso expectativas que criei a meu respeito, acesso crenças de autoafirmação, baseadas em sentimentos de carência, apego, baixa autoestima e medo. Medo de não ser aceita, de não ser admirada, de errar ou de ser subestimada. Me coloco de frente ao medo. Medo é o oposto de confiança. Sentir medo me coloca em estado de rigidez e me impede a entrega. Estando rígida faço muita força para manter uma aparência, um estado, um sentimento, uma atitude, e quando a rigidez toma conta tudo o que desejo manter simplesmente escorrega entre meus dedos, se esvai. Eu tento permanecer, mas a vida continua fluindo. Quanto mais tento segurar, quanto mais força uso para manter a permanência, mais tudo o que almejo se afasta de mim, foge e até mesmo se esconde. Sinto agora a dor que se manifesta em meus ombros, percebo a força que inconscientemente uso como se estivesse sempre carregando um peso, um fardo, mais pesado que meu próprio corpo. Ao perceber isso me pergunto: “o que me impede de soltar?” “por que é tão difícil abrir mão da ilusão do controle?” “por que mesmo sabendo que não é possível controlar ainda insisto nisso?” Ao refletir sobre isso, presencio uma cena onde Harmonie, que agora tem quase cinco meses de vida, chora e grita por ainda não conseguir se mover com a agilidade que gostaria, percebo a pouca paciência da pequena, que expressa sua frustração e sua não aceitação da condição que vive hoje, e analisando sua experiência me vem um entendimento: sua evolução é tão natural, seu corpo a cada dia se transforma e adquire novas capacidades, ontem pela primeira vez ela conseguiu se virar sozinha e foi uma conquista, pois antes de ontem isso ainda era um desafio, pelo qual ela chorava e gritava, fazia tanta força e perdia a paciência consigo mesma, assim como hoje ainda há o desafio de aprimorar esse movimento e de ganhar agilidade no mover-se em direção ao que ela deseja alcançar. E tudo o que ela precisa fazer é continuar, pois a cada nova situação, frente a cada novo desafio seu próprio corpo desenvolve as habilidades necessárias para seguir avançando. Ao observá-la pude me ver nas situações quando por não conseguir confiar na evolução natural do meu ser, demando muita força, desperdiço muita energia, ao vê-la irritada consigo mesma, percebo minha própria ansiedade que é apenas o reflexo da limitação que me impede a entrega e a confiança de que tudo acontece naturalmente no fluxo da vida, de que não preciso, nem consigo, forçar nada, pois tudo acontece no tempo certo, quando meu ser está pronto para avançar. Eu então digo à ela, dizendo à mim mesma: “está tudo bem, agora é desse modo que lhe é possível, você está fazendo seu melhor e é isso o que realmente importa, a única coisa que pode fazer é continuar, logo você conseguirá se superar e assim será por toda a sua vida, sempre surgirão novos desafios e tudo o que você pode fazer é continuar, se tiver coragem para seguir em frente apesar de suas limitações seu ser naturalmente despertará novas habilidades para que consiga avançar, crescer e evoluir.” Percebo agora, a partir dessa simples experiência que os cinco conceitos estão entrelaçados, que não existe uma sequência exata ou uma hierarquia entre eles, um naturalmente desencadeia o outro, pois só se torna possível a entrega e a confiança se tenho as capacidades de aceitar e acolher meus próprios limites, o que não tem a ver com acomodação, mas que se reflete na própria confiança de que faço o meu melhor e de que tudo acontece da melhor e única maneira possível, sempre. Do mesmo modo a gratidão ressoa como a manifestação da paz interior que emerge no momento em que meu ser se entrega sabendo que o melhor a fazer é realmente confiar.

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