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Feminino Sagrado - Um encontro amoroso com a própria sombra.

  • Foto do escritor: Lulie Rosa
    Lulie Rosa
  • 22 de out. de 2015
  • 6 min de leitura

quase um ano parei com o anticoncepcional.

Hoje, entro no décima quarta semana de gestação.

Conscientemente não planejei nada disso, sequer desejei essa situação.

Mas como desejo é diferente de escolha, tenho certeza que escolhi viver isso, pois, definitivamente me alinhei com energias que me trouxeram essa gravidez.

Num dia acordei e não conseguia mais tomar pílula, esse corpo, depois de dez anos, passou a rejeitar aquela substancia tão conhecida e eu, sem nem pensar só atendi o que a mim se apresentava.

Até um dia antes eu não me imaginaria fazendo isso, pois meu maior medo sempre foi engravidar. Eu não apenas via a gravidez como algo desnecessário, já que existem tantas crianças em busca de família, como também egoísta, por perceber como é comum pessoas gerando vidas movidas por carência, pelo medo da solidão na velhice ou por projetar nos filhos a realização de tudo o que elas próprias não conseguiram fazer por si mesmas. Mas, mais pesada que tudo isso era a carga que eu sempre associei a gravidez, sempre vi como peso, mas talvez só agora esteja realmente percebendo o outro lado da pena, o lado que faz com que as tantas mulheres abram mão de tudo o que já foram ou desejaram ser um dia, com total leveza.

Desde que parei a pílula foram só processos, afinal como poderia ser simples diante desse modo tão denso de pensar. Tive crises e mais crises com espinhas, candidíase, cistite e aos poucos fui aprendendo a lidar com todos os sinais que meu corpo me dava sobre meu estado emocional.

Parar a pílula significou precisar lidar com minhas emoções e sentimentos com muito maior intensidade, tive que lidar com as alterações de humor, com as instabilidades, e também com as insatisfações que me acostumei a anestesiar.

Até ai não parecia ter vantagem alguma nesse lance de sentir, mas de alguma forma desde o inicio eu me sentia cada vez mais coerente e viva.

Deixar a pílula, acompanhar meus ciclos não foi simples ou fácil, o medo me tomou em muitos momentos, em alguns inclusive reprimi minha sexualidade pelo medo da gravidez. Pensava tanto nisso, que ela veio me fazendo imergir ainda mais às minhas dores, expectativas e frustrações.

Ao me ver gravida o chão se abriu, já não carregava certezas, mas qualquer resquício de plano precisou se diluir, me vi morrer como nunca antes, indo direto às profundezas, encontrando de frente minhas sombras mais densas.

A cada pensamento culposo mais desconforto, à cada negação a resposta era o vômito, e foram muitos. Passei a ser habitada por uma carrasca furiosa, que se sentindo traída queria se vingar a todo custo, muitos pensamentos dolorosos me atravessavam sem o mínimo de controle. Coloquei-me numa zona de negatividade tamanha que não conseguia me alimentar, tudo voltava, nem sei quantos quilos posso ter perdido.

Senti muito, mas eram tantas e tão densas as emoções que não conseguia sequer identificá-las, mas definitivamente meus primeiros sentimentos diante da gestação não foram de amor ou gratidão, senti raiva do mundo, mas a raiva maior era de mim, talvez por ter “traído” tão efetivamente tudo o que vinha “desejando” para minha vida.

Entrei com vontade no abismo da frustração, da negação e da raiva, mas a melhor escolha foi me jogar de cabeça nesses sentimentos, assumi-los e vive-los com toda entrega que pude. Por muito tempo resisti, negava a situação e depois negava o vômito até perceber que era apenas uma resposta emocional.

Resisti às transformações do meu corpo, detestei não conseguir mais fazer o que fazia antes, me culpei pelo sono e pela indisposição constante, até que o que foi perdendo sentido foram meus apegos, aos poucos fui me dando conta de quão apegada eu ainda estava à estabilidade que “alcancei” através do suposto autoconhecimento que vinha adquirindo, percebi o quanto é sutil o estado de presença, e o quanto apegada estava à ideia de bem estar, e aos poucos fui me permitindo realmente perceber e reagir ao que se apresentava à mim por mais doloroso ou desconfortável que fosse, e gradualmente os incômodos foram ficando mais leves, ainda existem, mas hoje com menor constância e intensidade. Assim como quando parei com a pílula fui me abrindo e me entregando para a capacidade de me perceber natureza, nessa nova fase venho aos poucos e mesmo com todas as dificuldades me reconhecendo e me permitindo vivenciar com inteireza toda a intensidade da gestação. Somente hoje percebo que ao tomar a decisão de acolher a vontade ou a recusa de meu corpo e abandonar o recurso hormonal, apesar de todas as dúvidas e medos me entreguei ao incerto, mesmo do meu jeito torto confiei no princípio da vida e nas forças que me conduzem a propósitos maiores, da mesma forma hoje, estou confiando e me entregando a condição presente.

Até o momento não sei se foi vantagem parar de anestesiar meu corpo, afinal desde o início precisei e agora mais do que nunca preciso lidar com meus sentimentos mais densos, mas apesar de todas as dificuldades percebo que estou amadurecendo como nunca, não apenas minha condição de mulher, mas em minha natureza, em meu feminino sagrado. Hoje, vejo cada ciclo lunar como uma possibilidade de aprofundamento em mim mesma, uma oportunidade de me conhecer e me aceitar como estou, a cada momento. Desde que abandonei o anticoncepcional a lua sempre me levou e ainda leva a imergir no mais profundo do meu ser, onde o grande desafio é lidar com o desconhecido, com o sombrio, com o incontrolável, e imprevisível.

Tenho certeza que o sagrado feminino não se resume a menstruação, útero, vagina, pois trata-se de uma energia sutil que habita cada ser, mesmo que em seu corpo não carregue ou mesmo negue tudo isso. Esse feminino pode estar adormecido, esperando um momento propício para se manifestar, caso o ser em algum momento se abra para se perceber em essência. Se anestesiar o mínimo possível com remédios, enlatados, industrializados, agrotóxicos, tecnológicos é apenas uma das formas de possibilitar e ampliar esse modo de percepção, mais sensível e sutil. Acredito que estar em sintonia com o feminino é fazer escolhas pela percepção, para além das influências externas, para além das crenças pré-concebidas, geralmente vindas de outras pessoas.

Sinto que a conexão com o feminino é um desafio inspirador e de muita grandiosidade que acontece na percepção do corpo enquanto natureza, desapegado de qualquer constância, e isso pode acontecer de muitas formas, acompanhar os ciclos pela lua é apenas uma maneira muito profunda, uma experiência que pode ser muito valiosa principalmente se feita com entrega e não apenas para seguir uma tendência. Ao compartilhar minha experiência não desejo assustar ninguém, não quer dizer sequer que eu ter engravidado menos de um ano após deixar a pílula seja um resultado disso, ao contrário, no meu caso sinto que deixar a pílula foi apenas um primeiro passo rumo à aceitação do propósito de gerar. Ambos, estão para além de minha vontade racional. Até agora o que posso compartilhar dessa experiência é o profundo contato com minhas próprias sombras, com tudo o que há de mais denso, doloroso e profundo em meu ser, hoje percebo que justamente isso torna esse momento de escrita muito belo e viceral. Sou grata por hoje, poder sentar em frente à esta tela e em forma de desabafo trazer à tona parte desse processo. Então, eu entrego, eu confio, eu aceito, eu acolho e agradeço o feminino que me habita tão intensamente agora. Hoje me abro e me sinto capaz de receber com amor e gratidão o presente de gestar.


Lulie Rosa - Florianópolis, 22 de outubro de 2015.

Mulher, Artista/Visagista/Facilitadora e Terapeuta Reikiana - com iniciação pelo método Usui.

Cursa Artes Visuais na Universidade Estadual de Santa Catarina, mas seu maior aprendizado vem da experiência, dos grupos que coordena e integra, da vida que tenta encarar de frente. Por conta própria pesquisa diversas áreas do conhecimento humano, principalmente envolvendo história, psicologia, mitologia, conhecimento ancestral, bioenergética e cultura visual e é assim que tem percebido que livros são apenas pontos de vista, relatos da vivência e da observação de alguém.


Ama fotografar essências e se nutre do empoderamento que vê nascendo e se fortalecendo em cada mulher que se permite olhar seu corpo e sua alma por novas perspectivas.

É geradora do Mulher em Si - o que não sabe definir muito bem, pois tem vida própria e se move, flui e transforma como sua própria vida; mas pelo qual atua com atendimentos particulares e como facilitadora de grupos sequências e livres, com propostas intensas e leves, diversas, mas todas sem dúvidas empoderadoras.


Conheça mais sobre Lulie e o Mulher em Si visitando nosso site.


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