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Falar, escrever e viver em primeira pessoa

  • Foto do escritor: Lulie Rosa
    Lulie Rosa
  • 17 de set. de 2015
  • 5 min de leitura

Eu, pronome pessoal intransferível, primeira pessoa do singular.

E Eu, sou também a primeira pessoa da minha vida?

O sujeito Eu, talvez seja o menos usado de nossa língua, pois supõem-se que já vem implícito, embutido, oculto nas sentenças e orações.

Mas o quanto não falar em primeira pessoa me afasta desse Eu que vive?

O que tem de errado com aquela famosa frase de Jesus: “amai ao próximo como a ti mesmo.” que ela raramente funciona?

De certo ele achou que o amor-próprio já era implícito e esqueceu de reforçar a importância de amar primeiramente à si para que também pudesse amar ao outro, como a ti mesmo.

Se o amor que eu direciono a mim é adoecido, distorcido, ou quase nulo como fica o amor que por mim é direcionado ao outro?

Há algum tempo essas questões me invadem, pois percebi que falar em primeira pessoa é assumir, e há pouco tempo raramente fazia isso, usando no inicio das frases sempre pronomes mais gerais como: “você”, "tu", "eles", “nós”, “a gente”. Ao fazer isso, mesmo que inconscientemente buscava identificação, reconhecimento, autenticação da minha fala e me eximia de certa forma da responsabilidade que é ter posicionamento em relação ao que sinto, escolho e penso sobre mim e minha vida.

Nos grupos, tenho observado que muitas das questões que incomodam a maioria das mulheres, e que talvez não incomodem só à elas, tem a ver com a dificuldade de posicionar-se. É grande e comum a dificuldade não apenas de decidir, que é o posicionar-se perante si, mas também de se assumir, posicionando-se perante às outras pessoas.

E em minhas observações e especulações comecei a perceber que talvez essa dificuldade possa ter a ver com essa coisa de não usar o Eu, para mim a dificuldade de falar e escrever em primeira pessoa está intimamente ligada com a dificuldade de viver em primeira pessoa, mas o que significa viver em primeira pessoa?

Um dia desses, saindo de uma aula, encontrei uma amiga querida que não via há um bom tempo. Conversamos um pouco e logo ela falou de sua paixão por viajar e de seu grande desejo de trancar a faculdade para seguir pelo mundo trabalhando com eco-construção ou construção sustentável, que é o que ela descobriu que realmente ama fazer. Daí eu perguntei: "e por que não?".

Logo ela me respondeu que não poderia fazer isso, pois tinha assumido um compromisso com um grupo para dar seguimento a um trabalho numa comunidade e que se fosse para o mundo, certamente decepcionaria a todos. Falou também que se fizesse isso decepcionaria sua família, especialmente sua mãe, que sempre à apoiou nos estudos e que certamente espera que ela se forme. Me deu mais alguns motivos que nada tinham a ver com ela, nem com as outras pessoas, mas apenas com as projeções que ela tinha sobre as expectativas que ela acreditava ser das pessoas em relação à ela.

E eu pensei: “quantas vezes me anulei me projetando nas outras pessoas?” hoje percebo que essa atitude nunca foi apenas para agradar alguém, aliás, a autoanulação nunca foi uma garantia de satisfação para ninguém, nem para mim nem para as pessoas que me amam. Essa decisão de suprimir e modelar minhas decisões a partir do que Eu acredito que as pessoas esperam de mim, nada mais é do que desculpa para justificar meu medo de tentar.

Então, contei à ela sobre minha descoberta recente:

Descobri que pessoas que me amam de verdade, como minha mãe, por exemplo, não estão preocupadas com o que eu faço, ou deixo de fazer, essas pessoas se preocupam com como eu me sinto. Se demonstro segurança em minhas escolhas, e se compartilho meus bons momentos, minhas conquistas e realizações, elas me apoiam e vibram por mim, mas se por outro lado, sempre que conversamos demonstro tristeza, insegurança, medo, vulnerabilidade de qualquer espécie, essas mesmas pessoas me indicam os caminhos mais conhecidos, os que elas consideram mais confortáveis e seguros. Isso não significa que elas desejam esses caminhos para mim, ou que elas ficariam felizes por me ver seguir exatamente os conselhos indicados, elas talvez nem conheçam nada próximo das experiências que tenho e que me fazem vibrar, então me pergunto: "como poderiam me incentivar a fazer o que nem sabem que existe?"

Percebi que no fim das contas as pessoas que me amam e que se importam comigo desejam apenas me ver bem e feliz, seja como for.

Agora entendo que não assumir minhas escolhas para minha própria vida é um ato de covardia, não apenas comigo, mas também com as pessoas com quem Eu me importo. Por dois motivos: Primeiro por que pautando minhas escolhas pelas expectativas que acredito que elas têm sobre mim, provavelmente também projetarei nelas minhas futuras frustrações.

Segundo, porque não me posicionando perante elas não permito que elas mesmas lidem com seus sentimentos em relação às minhas escolhas pessoais.

O que as outras pessoas sentem, mesmo que seja em relação à mim ou a minha vida é delas, e eu não posso controlar ou mesmo me responsabilizar pelos sentimentos alheios. Aliás, me responsabilizar pelos meus próprios sentimentos já é um grande desafio.

Quando penso em viver em primeira pessoa, exercito a sinceridade primeiramente comigo ao me perceber e escolher por mim. E também com as outras pessoas ao assumir o que Eu sinto, percebo e escolho para minha vida. Ao fazer isso, percebo que minhas relações estão se tornando mais leves, pois decido e me responsabilizo apenas por minhas próprias escolhas e sentimentos, ao fazer isso permito também que as pessoas que amo façam o mesmo, e também se responsabilizem por suas próprias escolhas e sentimentos.

Usar Eu no início das frases escritas ou faladas tem sido um ótimo exercício para que Eu consiga me assumir também, não apenas como protagonista, mas como co-criadora de minha própria existência.

Hoje, me sinto feliz por mim e por minha amiga, que decidiu fazer o mesmo, assumindo suas escolhas para Si e para todos, seguindo para o mundo.



Lulie Rosa - Florianópolis, 11 de agosto de 2015.

Artista/Visagista/Facilitadora e Terapeuta Reikiana - com iniciação pelo método Usui.

Cursa Artes Visuais na Universidade Estadual de Santa Catarina, mas seu maior aprendizado vem da experiência, dos grupos que coordena e integra, da vida que tenta encarar de frente. Por conta própria pesquisa diversas áreas do conhecimento humano, principalmente envolvendo história, psicologia, mitologia, conhecimento ancestral, bioenergética e cultura visual e é assim que tem percebido que livros são apenas pontos de vista, relatos da vivência e da observação de alguém.


Ama fotografar essências e se nutre do empoderamento que vê nascendo e se fortalecendo em cada mulher que se permite olhar seu corpo e sua alma por novas perspectivas.

É geradora do Mulher em Si - o que não sabe definir muito bem, pois tem vida própria e se move, flui e transforma como sua própria vida; mas pelo qual atua com atendimentos particulares e como facilitadora de grupos sequências e livres, com propostas intensas e leves, diversas, mas todas sem dúvidas empoderadoras.


Conheça mais sobre Lulie e o Mulher em Si visitando nosso site.




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